TRADUZA ESSA PÁGINA

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O dissabor da agonia e do desespero: A vida em um hospital psiquiátrico. (by Nádia Gouveia)

Certa vez ouvi uma frase um tanto quanto intrigante “A arte de ser louco é a loucura de ser normal”, não me recordo de sua autoria no momento, mesmo assim me pergunto: O que é ser louco? E até onde cabe a “normalidade” nesse mundo insano em que vivemos? Tais questões são abordadas por filósofos, médicos, músicos, juristas e poetas a anos, e a cada nova descoberta sobre o assunto, outras dúvidas afloram e possibilitam a exploração desse “universo paralelo” que norteia a vida de muitas pessoas, as quais vivem presas em uma realidade diferente, e não só os que são considerados “loucos” se enquadram nessa estatística assustadora, há em nossa sociedade diversas “doenças” e “anomalias psíquicas” que viabilizam a entrada dessas pessoas “perturbadas” por algum motivo em hospitais e clinicas psiquiátricas.

Devido a minha pouca experiência de vida não ousarei em dissertar a respeito da evolução da medicina psiquiátrica e psicologia, nem tão pouco sobre as mudanças no tratamento dos pacientes relacionados, vou me limitar a descrever a realidade que pude presenciar com muito pesar a alguns dias. Uma pessoa muito importante pra mim que sofre de depressão bipolar há alguns anos teve um surto e depois de passar por uma avaliação médica foi internada no hospital psiquiátrico da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), e quando fui acompanhá-la até o hospital presenciei uma das cenas mais tristes da minha vida, talvez porque naquele momento estava associada ao sofrimento daquela pessoa, ou daquelas pessoas.

A primeira coisa que eu vi foram as grades da entrada do hospital, tudo em volta era cercado por grades, parecia um presídio de segurança máxima, um vento frio e arrepiante me acompanhava pelos corredores e quando o enfermeiro plantonista veio abrir o portão um misto de sensações me dominou, senti medo, angústia, tristeza, comecei a tremer, tive a impressão de estar entrando em um freezer, meus ossos congelaram, então uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto a agonia era tanta que quase pude ouvir seu estalo ao bater naquele chão frio e coberto de tristeza e solidão. Quando eu olhei para aquelas pessoas, pude ver em seus olhos a amargura de se sentir preso, e não eram as grades que as incomodavam eram suas próprias mentes o que me entristeceu ainda mais.

Era hora do lanche da noite e havia algumas pessoas sentadas nas mesas, eram quatro no total feitas de cimento com bancos parecidos com aqueles encontrados em praças, eles logo notaram a minha presença, eu era como um alienígena, eles me olhavam com o olhar espantado, alguns curiosos, outros com medo, como se eu pudesse fazer algum mal a eles, a pessoa que eu acompanhava recebeu seu lanche e se sentou junto aos seus “novos amigos”, eu estava aparentemente calma, porém não consegui dizer nem mesmo uma palavra, eu os olhava também com certo espanto, afinal eu nunca havia presenciado algo parecido em minha vida, foi um choque e eu tinha de ser forte e manter meu equilíbrio emocional, pois teria que conversar com os enfermeiros e com o médico a respeito da pessoa que eu estava acompanhando.

Não demorou muito e um dos pacientes veio conversar comigo, era um senhor moreno, magro com um semblante sofrido, estava com os pés no chão e com um crucifixo de madeira em sua mão direita, ele se ajoelhou em minha frente, pegou a minha mão, olhou profundamente em meus olhos e se apresentou: “Oi minha jovem, boa noite, eu sou JESUS CRISTO”, não pude me conter esbocei um leve sorriso e respondi “Boa noite”, ele logo se levantou e saiu cambaleando, ele repetia em voz alta “o meu Deus é bom, o meu Deus é bom”, pude ouvir essa frase até a hora que saí de lá, depois dessa cena inesperada pude relaxar um pouco, e comecei a reparar nos outros pacientes, eles falavam sozinhos, andavam em círculos, gritavam, choravam, caiam, se jogavam, esperei aproximadamente uma hora a chegada do médico e da assistente social e nesse meio tempo fiz uma análise minuciosa daquele lugar e daquela situação, depois da burocracia me despedi da pessoa que eu acompanhava, e parti, quando ouvi as grades do portão se fechando em minhas costas, senti um arrepio profundo, eram quase onze horas da noite, não havia mais ninguém ali, atravessei o hospital sozinha, fiz o trajeto a largos passos, e aqueles corredores pareciam não ter fim, quando finalmente cheguei ao lado de fora, comecei a chorar, chorei em silêncio sem fazer alarde, só queria sair dali e esquecer o que havia visto.

Quando cheguei em casa entrei em desespero, em pensar que uma pessoa tão querida estava “presa” naquele lugar e que eu não podia fazer nada por ela a não ser apoiá-la e ter muita paciência, foi quando me dei conta de alguns detalhes: eles a receberam com muito carinho, as dependências eram extremamente limpas e arrumadas, os quartos, os banheiros, o salão estava tudo em perfeita ordem, os enfermeiros eram muito gentis e educados, o médico me pareceu confiável e assistente social também, ela estava em boas mãos, portanto a única coisa com a qual eu deveria me preocupar realmente era com sua recuperação, tive de me acalmar porque no dia seguinte teria de voltar ao hospital, e assim foi por alguns dias.

As demais visitas que fiz ao hospital foram bem diferentes, eu já estava mais calma e despreocupada, então pude avaliar mais tranquilamente aquele lugar, a situação e as pessoas, dei muitas risadas, alguns eram muito engraçados, conversei bastante com alguns aparentemente lúcidos, distribui muitos sorrisos e apertos de mão, o que de certa forma me reconfortava. No último dia que a acompanhei no hospital antes dela receber alta, presenciei algumas cenas que me doeram profundamente, um rapaz de apenas 19 anos havia fugido no dia anterior, quando o encontraram ele estava extremamente arredio e agressivo, pois ele havia se drogado na rua, ele era alto e forte, e naquele momento representava perigo para ele e para os demais, então tiveram de amarrá-lo e sedá-lo, aquilo partiu meu coração, mas eu compreendi que era necessário.

Fui embora pensando naquele rapaz, seu olhar furioso estava fixado em minha mente como uma fotografia, no dia seguinte fui buscá-la, ela finalmente havia recebido alta, chovia muito e o médico com quem eu deveria conversar estava demorando a chegar ao hospital, fiquei esperando por quase duas horas, e mais uma vez presenciei coisas horríveis, eles estava muito agitados naquela manhã, o “Jesus” estava muito agressivo, estava derrubando uma moça, os enfermeiros não podiam descuidar que ele a derrubava, ela começou a ficar agressiva com ele, outros pacientes começaram a se envolver, foi quando os dois surtaram de vez, começaram a brigar e gritar um com o outro, a situação começou a fugir do controle dos enfermeiros, então só lhes restou uma saída, amarrar os dois, para que não se machucassem, nem ferissem os outros pacientes, como me doeu aquela cena, ela chorava e pedia para que não a amarrassem, ele também, mas já era tarde, os dois foram presos por cordas a uma maca, e logo em seguida foram sedados, não demorou muito e já não os ouvia mais. O médico chegou em seguida, terminei de acertar a parte burocrática e pude ir embora levando-a, para casa finalmente.

Caros leitores esse foi um breve resumo do que presenciei naquele hospital psiquiátrico, foram dias difíceis, porém pude perceber a importância de se tratar essas pessoas tão frágeis com amor e atenção, elas sofrem muito, muitas não conseguem se libertar da prisão invisível em que se encontram, os médicos e os enfermeiros fazem o possível para manter a ordem e a segurança, e mesmo assim algumas situações lhes fogem ao controle. O que mais me impressionou foi o olhar daquelas pessoas, muitos eram sem brilho, sem vida, sem esperança, alguns pediam socorro, outros pediam carinho, alguns não diziam nada estavam completamente vazios. Depois de passar por essa situação delicada pude perceber a grandeza de ser “livre”, tenho agora um respeito ainda maior por essas pessoas, e também pelos profissionais que os acompanham, pois é uma profissão bela e que exige muito “senso de humanidade”, agora o que é ser louco e o que é ser normal ainda não descobri, talvez jamais descubra, o que posso afirmar é que há sim “uma realidade paralela”, eu vi, ouvi e senti a angústia e o desespero daquelas pessoas, e quanto mais eu vivo, mais agradeço a Deus por me dar a oportunidade de crescer e aprender com minhas dificuldades, o que eu vi lá é só um pedaço de um “bolo” muito maior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário